sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Fé e Política

Fui convidado a participar de um seminário sobre "Fé e Política" numa das paróquias de Belo Horizonte. Com tranqüilidade, sem fazer propaganda partidária ou proselitismo de qualquer espécie, defendi a importância da presença ativa dos cristãos na Política, inclusive através de mandatos populares e militância em partidos, sindicatos, associações, etc.
Durante o debate que se seguiu, uma pessoa da platéia questionou minhas idéias dizendo que a Igreja tem que cuidar das coisas do espírito, da alma, e deixar a política para os políticos.
A intervenção mexeu com o público, despertando olhares e comentários de aprovação ou contestação. Senti-me feliz. Nada pior que um auditório apático, desinteressado. Aproveitei a intervenção instigante e convidei os presentes a aprofundar a reflexão.
Comecei perguntando: a quem nos referimos quando falamos de Igreja? Naquele ambiente católico, seria ao papa, aos bispos, padres, ao clero? Quem ou o quê seria essa Igreja destinada a cuidar das coisas do espírito, isolada das grandes e pequenas questões que afetam o nosso dia a dia? Aliás, como separar as coisas do espírito do nosso cotidiano?
O debate pegou fogo com a platéia conversando entre si, opiniões as mais diversas sendo colocadas na roda. Em meio àquele burburinho, lembrei-me de uma aula na qual entrei na sala e escrevi no quadro a palavra IGREJA, sem dizer nada.
Após um breve tempo de silêncio; os alunos curiosos, intrigados; pedi que cada um fosse ao quadro e escrevesse, também numa palavra, a primeira idéia que lhe veio à mente ou ao coração, diante daquela expressão.
Depois de alguns instantes de hesitação, o primeiro corajoso foi ao quadro e escreveu: missa. Logo outro se seguiu e escreveu; alienação, voltando à carteira com um sorriso provocativo.
Logo o quadro ficou cheio de palavras retratando os mais diversos sentimentos e conceitos. Ao final, com a ajuda dos alunos, fui agrupando as palavras que tinham afinidade entre si. Em meio a tantas idéias, três prevaleceram: Igreja, na visão dos alunos, ou era uma INSTITUIÇÃO, ou um LUGAR ou uma COMUNIDADE. Lembrei-me de tudo isso numa fração de segundos e logo voltei a atenção ao debate que continuava agitado.
Pedi a palavra e contei essa experiência guardada na minha memória, concluindo: na minha infância ouvia muito a expressão de que tinha que IR À Igreja. No meu caso, era só atravessar a rua. Um gesto físico, num espaço geográfico.
O tempo e a espiritualidade me ensinaram, aos poucos; eu preciso SER Igreja. E aí, a trajetória, o itinerário é outro. Atravessar a rua dos meus preconceitos, das minhas dificuldades de relacionamento, das contradições do poder, das limitações humanas, tão presentes...
Olho, mais que isso, contemplo a platéia que me ouve em silêncio. Um sentimento fraterno, amoroso, aquece meu coração que reafirma: a Igreja somos nós, todos nós que professamos a mesma fé e somos discípulos seguidores de Jesus Cristo.
E é como cristãos, e portanto como Igreja, que nos fazemos presentes em todas as realidades humanas, inclusive na Política.
Reúno as idéias ali discutidas como aquelas palavras escritas no quadro da minha memória. Vejo-me professor, sem ser professoral, aprendendo com meus alunos. Concluímos: a experiência religiosa não acontece no vácuo. Ao contrário, ela sofre a influência de fatores culturais, sociais e também políticos. Um mandato político significa poder. E o poder, em si, não é uma coisa má. O que pode ser bom ou mau é a forma como se exerce o poder.
Para ilustrar isso, convido todos a ouvirem uma passagem do Evangelho. Fui até o ambão, peguei a Bíblia e li solenemente: Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas. Capítulo 3, versículos 1 e 2.
No oitavo ano do mandato de George Bush, sendo Luis Inácio Lula da Silva presidente do Brasil e Aécio Neves governador de Minas Gerais e seu aliado Pimentel, prefeito de Belo Horizonte. Sendo José Serra governador de São Paulo e Sérgio Cabral governador do Rio de Janeiro e sendo Bento XVI o Papa, foi nesse tempo que Deus revelou sua palavra a um grupo reunido no salão paroquial da Igreja de Nossa Senhora da Conceição..."
Palavras das Salvação!
Ninguém respondeu. A primeira reação foi de silêncio e surpresa. Mas logo uma senhora deu uma gargalhada e mineiramente perguntou:
- "Uai, professor, que Bíblia é essa que o senhor arrumou?"
Passei o Evangelho a ela e pedi que lesse em voz alta o texto citado. Ela leu:
"No décimo quinto ano do império de Tibério César, sendo Pôncio Pilatos governador da Judéia, e Herodes tetrarca da Galiléia, e seu irmão, Filipe tetrarca da Ituréia e da província de Traconítide; e Lisâneas tetrarca da Abilínia, sendo Anás e Caifás os sumos sacerdotes: foi nesse tempo que Deus revelou sua palavra a João, filho de Zacarias, no deserto".
Não precisei comentar. A compreensão foi imediata. O Evangelista Lucas começa a narrativa da vida pública de Jesus situando-a no contexto histórico e, mais que isso, político, do seu tempo. A vida de Jesus também não acontece no vácuo. Ele se relacionou com personagens concretos, pessoas que exerciam o poder em seus diversos níveis, na Palestina de 2000 anos atrás.
Assim começou a vida pública de Jesus que vai terminar com uma sentença de morte, lá no final do Evangelho de João (Jo.19,12-16). Então vamos encontrá-lo sendo condenado sob a acusação política de ser um subversivo: Os judeus pressionavam Pilatos, dizendo:
"Ele se proclamou Rei. Não temos outro Rei senão César. Se soltas esse homem não és amigo de César. Quem se faz rei, vai contra César!"
E Pilatos, pressionado, amedrontado, "usa" o seu poder e condena Jesus à morte.
O poder PODE. Pode oprimir, explorar, ser usado em benefício próprio ou de grupos. Pode também ser colocado a serviço da dignidade das pessoas, da promoção da justiça, da distribuição justa de bens, oportunidades e direitos.
A Política pode ser a arte da construção do futuro, no aqui e no agora. E para construir um futuro que ainda não está pronto, é preciso, primeiro, aprender a APRENDER. E eu, como professor e cidadão, não posso, não tenho o direito de desistir de aprender para poder ensinar.
Aprender a construir com cada geração que passa pela minha sala de aula; que pode ser aquela, formal, com quadro e carteiras, ou essa crônica aqui partilhada; as ferramentas e sementes que possibilitarão a construção de uma realidade diferente da que está aí.
É o que minha Fé me ensinou. Sem ingenuidade ou alienação. Sem radicalismos, ironias ou desânimo. Como me ensinou também o mestre Libanio, quando diz: "o cristão é aquele que vê as coisas que todo mundo vê, mas de um MODO diferente..."
O olhar do cristão tem a marca da esperança, da utopia. E utopia cristã não é sonho impossível. É rumo. É para lá que somos chamados a caminhar. O olhar do cristão reconstrói e recria, todos os dias, essa utopia do rumo, da caminhada. E no caminho faz companheiros. A etimologia nos diz que companheiro é o que com-partilha o mesmo pão.
Alguém aí lembrou de mesa, de Eucaristia?
O olhar do cristão estimula a partilha do ter e do ser. Multiplica a palavra e a transforma em gesto. Pequenos gestos que vão construindo, na caminhada, a possibilidade de uma vida nova.
Vida nova... Alguém aí lembrou de Páscoa, de ressurreição?
Vida nova, um mundo diferente... E o que podemos ser e fazer diferente, como cidadãos, como nação? Podemos ser MAIS. Podemos ser melhores. Podemos ser Igreja.
Podemos ser cristãos, discípulos seguidores de Jesus de Nazaré. E seguindo-O, imitar sua ética, seus valores, seus gestos. Podemos nos inspirar nos seus sonhos e caminhar nos seus passos.
E assim, o mundo poderá ser melhor, porque nós passamos por ele e ajudamos a transformá-lo.
Inclusive com o nosso voto.

Eduardo Machado
Setembro 2008

Apesar de estar em horário de trabalho... como um "cristão" achei que deveria dividir este texto o mais rápido possível... visto que domingo teremos a comunhão dos nossos desejos, objetivos..
gde abraço, Danilo.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

O VÍCIO

“Tenho 72 anos, minha vida inteira foi entregue ao vício e não sei dizer como ainda estou vivo. Mas sei que perdi meus amigos, me afastei de minha família e acabei com minha saúde. Tudo por causa deste vício.Sim, eu confesso: sou viciado em trabalho.Tudo começou na infância. Meus próprios pais me apresentaram ao trabalho. Aos cinco anos, eu já o praticava nas ruas, na frente de todos. Mas nunca uma única pessoa se aproximou de mim pra dizer ‘larga esse vício, vai pra escola’. Ou ‘vai brincar, jogar futebol, você é muito novo para estar metido nesse mundo’.Na adolescência a coisa só piorou. Eu vivia dizendo que não queria nada com o trabalho, mas a quem eu estava enganando? A verdade é que perdi o controle. Logo engravidei minha namorada e, como meus pais fizeram comigo, botei meus filhos pra trabalhar. Eu passara de usuário a traficante!Saíamos todos os dias pro trabalho e nunca a sociedade ou algum governo nos deu uma oportunidade de largar essa doença e ter alguma dignidade. Pelo contrário: nos ficharam, colocando nossos nomes em carteiras de trabalho. E nós seguimos trabalhando e trabalhando, numa trágica escalada. Minha dependência era tamanha que quase todos os dias eu ainda ficava fazendo hora extra.Hoje, o que eu construí? Nada. Não tenho uma casa pra morar, não tenho onde cair morto, vivo de aposentadoria. E nem assim larguei o miserável do vício. Continuo trabalhando e descontando pro INSS.Por isso eu peço a você que me lê: não deixe o trabalho tomar conta da sua vida e de seus familiares e filhos. Você começa achando que vai ser o dono do mundo. Mas termina na sarjeta, onde eu estou. Porque o trabalho, meu amigo, o trabalho mata!Cesar Cardoso é viciado em escrever.”(Caros Amigos – Ano XII, número 135 – junho de 2008)

“quem me dera ter esse tipo de vício,

logo na infância disseram que calcular era difícil,

e eu bobo fiz do meu destino isso”

um pouco mais...

Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...

(fernando pessoa - liberdade)


ô preguiça que não passa...

de tudo aquilo que não farei, nem faço

que seja eterna enquanto dure!



quarta-feira, 24 de setembro de 2008

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure

o verdadeiro poeta vive o que escreve... talvez ele consiga viver mesmo que seja na imaginação... mas se até mesmo Drummond disse que dos grandes, Vinícius viveu como poeta em vida real... num sei... pra quem escreveu "eu sei que vou te amar, por toda minha vida eu vou te amar!" e casou n vezes... eu tenho muito o que entender ainda!!!

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

quer queira ou não queria, todos vão ler...

por Ana Maria Araújo Freire, viúva de Paulo Freire.
11/09/2008.

"Como educadora, historiadora, ex-professora da PUC e da Cátedra Paulo Freire e viúva do maior educador brasileiro PAULO FREIRE -- e um dos maiores de toda a história da humanidade --, quero registrar minha mais profunda indignação e repúdio ao tipo de jornalismo, que, a cada semana a revista VEJA oferece às pessoas ingênuas ou mal intencionadas de nosso país. Não a leio por princípio, mas ouço comentários sobre sua postura danosa através do jornalismo crítico. Não proclama sua opção em favor dos poderosos e endinheirados da direita, mas, camufladamente, age em nome do reacionarismo desta.

Esta vem sendo a constante desta revista desde longa data: enodoar pessoas as quais todos nós brasileiros deveríamos nos orgulhar. Paulo, que dedicou seus 75 anos de vida lutando por um Brasil melhor, mais bonito e mais justo, não é o único alvo deles. Nem esta é a primeira
vez que o atacam. Quando da morte de meu marido, em 1997, o obituário da revista em questão não lamentou a sua morte, como fizeram todos os outros órgãos da imprensa escrita, falada e televisiva do mundo, apenas reproduziu parte de críticas anteriores a ele feitas.

A matéria publicada no n. 2074, de 20/08/08, conta, lamentavelmente com o apoio do filósofo Roberto Romano que escreve sobre ética, certamente em favor da ética do mercado, contra a ética da vida criada por Paulo. Esta não é, aliás, sua primeira investida sobre alguém que
é conhecido no mundo por sua conduta ética verdadeiramente humanista.

Inadmissivelmente, a matéria é elaborada por duas mulheres, que, certamente para se sentirem e serem parceiras do "filósofo" e aceitas pelos neoliberais desvirtuam o papel do feminino na sociedade brasileira atual. Com linguagem grosseira, rasteira e irresponsável, elas se filiam à mesma linha de opção política do primeiro, falam em favor da ética do mercado, que tem como premissa miserabilizar os mais pobres e os mais fracos do mundo, embora para desgosto deles, estamos conseguindo, no Brasil, superar esse sonho macabro reacionário.

Superação realizada não só pela política federal de extinção da pobreza, mas , sobretudo pelo trabalho de meu marido - na qual esta política de distribuição da renda se baseou - que demonstrou ao mundo que todos e todas somos sujeitos da história e não apenas objeto dela.
Nas 12 páginas, nas quais proliferam um civismo às avessas e a má apreensão da realidade, os participantes e as autoras da matéria dão continuidade às práticas autoritárias, fascistas, retrógradas da cata às bruxas dos anos 50 e da ótica de subversão encontrada em todo ato
humanista no nefasto período da Ditadura Militar.

Para satisfazer parte da elite inescrupulosa e de uma classe média brasileira medíocre que tem a Veja como seu "Norte" e "Bíblia", esta matéria revela quase tão somente temerem as idéias de um homem humilde, que conheceu a fome dos nordestinos, e que na sua altivez e
dignidade restaurou a esperança no Brasil. Apavorada com o que Paulo plantou, com sacrifício e inteligência, a Veja quer torná-lo insignificante e os e as que a fazem vendendo a sua força de trabalho, pensam que podem a qualquer custo, eliminar do espaço escolar o que há
de mais importante na educação das crianças, jovens e adultos: o pensar e a formação da cidadania de todas as pessoas de nosso país, independentemente de sua classe social, etnia, gênero, idade ou religião.

Querendo diminuí-lo e ofendê-lo, contraditoriamente a revista Veja nos dá o direito de concluir que os pais, alunos e educadores escutaram a voz de Paulo, a validando e praticando. Portanto, a sociedade brasileira está no caminho certo para a construção da autêntica democracia. Querendo diminuí-lo e ofendê-lo, contraditoriamente a revista Veja nos dá o direito de proclamar que Paulo Freire Vive!"


trecho gerador da carta de repúdio:

"Muitos professores brasileiros se encantam com personagens que em classe mereceriam um tratamento mais crítico, como o guerrilheiro argentino Che Guevara, que na pesquisa aparece com 86% de citações positivas, 14% de neutras e zero, nenhum ponto negativo. Ou idolatram
personagens arcanos sem contribuição efetiva à civilização ocidental, como o educador Paulo Freire, autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização. Entre os professores ouvidos na pesquisa, Freire goleia o físico teórico alemão Albert Einstein,
talvez o maior gênio da história da humanidade. Paulo Freire 29 x 6 Einstein. Só isso já seria evidência suficiente de que se está diante de uma distorção gigantesca das prioridades educacionais dos senhores docentes, de uma deformação no espaço-tempo tão poderosa, que talvez ajude a explicar o fato de eles viverem no passado".
revista veja, 20/08/2008. o que estão ensinando a ele?
monica weinberg e camila pereira



quem foi Paulo Freire:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_freire

http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A9todo_Paulo_Freire

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

prabrasileirover

pois hoje, no meio de um yakissoba reformado com alfajores legitimamente argentinos de prazos de validade expirados, alguns estudantes em situação de intercâmbio brasil/alemanha e vice-versa, conversas sobre ilhas africanas e países latino-americanos com potencial turístico, ouvimos uma música chamada "a cara do brasil", na voz de ney matogrosso.

essa letra, que considero uma reflexão muito rica sobre um estado tão vulnerável como o brasil, habitado por uma nação tão grandiosa cultural e espiritualmente, é o que fica pra dividir desse almoço globalizado.


A Cara do Brasil
(Vicente Barreto e Celso Viáfora)

Eu estava esparramado na rede
Jeca urbanóide de papo pro ar
Me bateu a pergunta meio à esmo:
Na verdade, o Brasil o que será?
O Brasil é o homem que tem sede
Ou o que vive na seca do sertão?
Ou será que o Brasil dos dois é o mesmo
O que vai, é o que vem na contra mão?

O Brasil é o caboclo sem dinheiro
Procurando o doutor n'algum lugar
Ou será o professor Darcy Ribeiro
Que fugiu do hospital pra se tratar?

O Brasil é o que tem talher de prata
Ou aquele que só come com a mão?
Ou será que o Brasil é o que não come
O Brasil gordo na contradição?
O Brasil que bate tambor de lata
Ou que bate carteira na estação?

O Brasil é o lixo que consome
Ou tem nele o maná da criação?
Brasil Mauro Silva, Dunga e Zinho
Que é o Brasil zero a zero e campeão
Ou o Brasil que parou pelo caminho:
Zico, Sócrates, Júnior e Falcão

O Brasil é uma foto do Betinho
Ou um vidro da Favela Naval?
São os Trens da Alegria de Brasília?
Ou os trens de Subúrbio da Central?
Brasil Globo de Roberto Marinho?
Brasil bairro, Carlinhos Candeal?
Quem vê, do Vidigal, o mar e as ilhas
Ou quem das ilhas vê o Vidigal?
Brasil encharcado, palafita?
Seco açude sangrado, chapadão?
Ou será que é uma Avenida Paulista?
Qual a cara da cara da nação?

A gente é torto igual a Garrincha e Aleijadinho
Ninguém precisa consertar
Se não der certo a gente se virar sozinho
Decerto então nunca vai dar

ouçam na voz do ney!!!

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

E tudo mudou...

O rouge virou blush
O pó-de-arroz virou pó-compacto
O brilho virou gloss
O rímel virou máscara incolor
A Lycra virou stretch
Anabela virou plataforma
O corpete virou porta-seios
Que virou sutiã
Que virou lib
Que virou silicone
A peruca virou aplique, interlace, megahair, alongamento
A escova virou chapinha
'Problemas de moça' viraram TPM
Confete virou MM
A crise de nervos virou estresse
A chita virou viscose.
A purpurina virou gliter
A brilhantina virou mousse
Os halteres viraram bomba
A ergométrica virou spinning
A tanga virou fio dental
E o fio dental virou anti-séptico bucal
Ninguém mais vê...
Ping-Pong virou Babaloo
O a-la-carte virou self-service
A tristeza, depressão
O espaguete virou Miojo pronto
A paquera virou pegação
A gafieira virou dança de salão
O que era praça virou shopping
O long play virou CD
A fita de vídeo é DVD
O CD já é MP3
É um filho onde éramos seis
O álbum de fotos agora é mostrado por email
O namoro agora é virtual
A cantada virou torpedo
E do 'não' não se tem medo
O break virou street
O samba, pagode
O carnaval de rua virou Sapucaí
O folclore brasileiro, halloween
O Fortificante não é mais Biotônico
Folhetins são novelas de TV
Lobato virou Paulo Coelho
Caetano virou um chato
Chico sumiu da FM e TV
Baby se converteu
RPM desapareceu
Elis ressuscitou em Maria Rita?
Raul e Renato,
Cássia e Cazuza,
Lennon e Elvis,
Todos anjos
Agora só tocam lira...
A AIDS virou gripe
A bala antes encontrada agora é perdida
A violência está coisa maldita!
A maconha é calmante
O professor é agora o facilitador
As lições já não importam mais
A guerra superou a paz
E a sociedade ficou incapaz...
... De tudo.
Inclusive de notar essas diferenças.

Luiz Fernando Veríssimo

terça-feira, 12 de agosto de 2008

NORMOSE

Lendo uma entrevista do professor Hermógenes, 86 anos, considerado ofundador da ioga no Brasil, ouvi uma palavra inventada por ele que me pareceu muito procedente: ele disse que o ser humano está sofrendo denormose, a doença de ser normal. Todo mundo quer se encaixar num padrão. Só que o padrão propagado não éexatamente fácil de alcançar. O sujeito 'normal' é magro, alegre, belo ,sociável, e bem-sucedido. Quemnão se 'normaliza' acaba adoecendo. A angústia de não ser o que os outros esperam de nós gera bulimias,depressões, síndromes do pânico e outras manifestações de nãoenquadramento .A pergunta a ser feita é: quem espera o que de nós? Quemsão esses ditadores de comportamento a quem estamos outorgando tanto podersobre nossas vidas? Eles não existem. Nenhum João, Zé ou Ana bate à sua porta exigindo que você seja assim ouassado. Quem nos exige é uma coletividade abstrata que ganha 'presença'através de modelos de comportamento amplamente divulgados. Só que nãoexiste lei que obrigue você a ser do mesmo jeito que todos, seja lá quemfor todos. Melhor se preocupar em ser você mesmo. A normose não é brincadeira. Ela estimula a inveja, a auto-depreciação e aânsia de querer o que não se precisa. Você precisa de quantos pares de sapato? Comparecer em quantas festas por mês? Pesar quantos quilos até o verão chegar? Não é necessário fazer curso de nada para aprender a se desapegar deexigências fictícias. Um pouco de auto-estima basta. Pense nas pessoas que você mais admira: não são as que seguem todas asregras bovinamente, e sim aquelas que desenvolveram personalidade própriae arcaram com os riscos de viver uma vida a seu modo. Criaram o seu 'normal' e jogaram fora a fórmula,não patentearam, não passaram adiante.O normal de cada um tem que ser original. Não adianta querer tomar para si as ilusões e desejos dos outros. É fraude. E uma vida fraudulenta faz sofrer demais. Eu não sou filiada, seguidora, fiel, ou discípula de nenhuma religião oucrença, mas simpatizo cada vez mais com quem nos ajuda a remover obstáculos mentais e emocionais, e a viver de forma mais íntegra, simplese sincera Por isso divulgo o alerta: a normose está doutrinando erradamente muitos homens e mulheres que poderiam, se quisessem, ser bemmais autênticos e felizes.
Martha Medeiros ( 05.08.07)-Jornal Zero Hora-P.Alegre-RS

"Podemos converter alguém pelo que somos, nunca pelo que dizemos." HubertoRohden (1893 - 1981), filósofo e educador catarinense

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Poesia solta com algumas reticências

Para meu amigo, Roney, que tantas vezes lê poesias em meus olhos (através das suas...).


A poesia mora dentro de mim e me cochicha versos e prosas... Ela me entende, ou me ensina. Acho que mais isso do que aquilo. Mas essa minha poesia não me é alcançável. Não me é alcançável porque minhas mãos são tortas e meus pensamentos ligeiros. Ligeiros como coelhos que brincam de esconde-esconde com meu coração.
A poesia passeia em meu corpo e me faz pensar e sentir milhões de vezes... tantas vezes que chego a ficar tonta.
Ninguém pode me ouvir. Ninguém pode me entender. Grito, grito alto mas meu grito é o mais silencioso que todo o Universo nunca ouviu. Ele ecoa dentro de mim e nem minhas lágrimas sentem sua sintonia e, por isso mesmo, elas não dançam, não se mostram. Ficam tímidas, postas para a próxima manifestação maior de uma poesia menos egoísta.
É necessário coragem para chegar até aqui. Foram necessárias lágrimas e dores que só eu sei o quanto me custou, me doeu, me levou para longe de quem eu era, ou queria ser, ou pensava ser... Não sei, nunca sabemos o porquê de tudo. Aliás, nunca sabemos o porquê de nada. Os motivos sempre são esquecidos.
É necessário que eu renasça das cinzas de minha solidão e de meu vazio. Talvez eu já tenha renascido ou querido renascer. Mas não sei. Renascer é como morrer. Nunca se sabe.
É necessário coragem para poder renascer... É aquela velha coisa de que não aceitamos e não queremos... Os pontos finais são doídos, e como o são! São duros, bravos, não se arrependem porque não têm começo nem fim... Não têm conversa: ou é isto ou é aquilo. Conheço muitas pessoas-pontos finais. Elas me machucam porque são pontos finais. Eu não sou, nunca fui e não sei se um dia vou ser. Queria, e tento hoje colocar vários desses pontos (e dessas pessoas) aqui, nessa minha tentativa de vomitar meu eu e minha poesia...
(Mas não consigo, não conseguirei... É só uma tentativa de uma pessoa-reticências...).
Pontos finais não se arrependem de nada. Eu me arrependo de muita coisa... Muita coisa que só eu sei ou que talvez eu nem saiba... Mas não ligo, não ligo de verdade. Meus arrependimentos me fizeram renascer ou rejuvenescer ou envelhecer!
Não sei, nunca se sabe... Nunca sabemos o porquê de nada... Mas é necessário que eu renasça hoje, amanhã e no dia seguinte...
E sempre que eu me olhar é necessário que eu renasça. Mesmo que eu não saiba. Mesmo que ninguém saiba.
É necessário coragem para se fechar as portas. E mais coragem ainda de não se olhar para trás e manusear a fechadura e senti-la quente (ainda). As fechaduras podem ser olhadas e foi isso que eu fiz todo esse tempo... Eu espiei. Espiei de tal forma que hoje me sinto como uma velha conhecida de mim, mas eu só vivo de nostalgia. De uma nostalgia que não tem fim.
É necessário que eu renasça e que eu tenha coragem.
Hoje vou fechar minha porta e não quero mais olhar pela fechadura. Não mais vou olhar pela fechadura. O mundo me espera (e como disse aquele velho sábio – que era tão jovem- “o tempo não pára e ainda corremos”).
Não vou correr. Não mais. Preciso de silêncio para escutar a minha poesia. Preciso me sentir para ouvir a minha poesia. Preciso de dor para ouvir a minha poesia...
Preciso de poesia para ouvir a minha poesia. E para ouvir poesia e sentir poesia e viver poesia... eu preciso de sentir. Não mais vou fugir de quem sou, não mais vou fugir de minhas várias reticências e de minhas (íntimas) interrogações... É necessário coragem suficiente para aceitar quem sou. E sou uma reticências... Uma coisa que não tem fim, nem começo mas se arrepende.
Só não quero que me exijam que seja um ponto final. Não sou e não serei. Quem sabe, na verdade... Nem eu sei... Porque eu renasci, ou renascerei, ou quero renascer...
E é necessário coragem para renascer... É necessários arrependimentos, lágrimas, sonhos, dores... Que só eu sei o quanto me custaram, doeram, e quanto me levaram para longe de mim, do que eu era, quem seria ou queria ser... Só eu sei o quanto me levaram para perto de mim, de minha poesia... De quem eu serei...

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

lixo no mar


do lado esquerdo há uma ave que morava na praia. do lado direito estão todos os resíduos encontrados em seu estômago. morreu por alimentar-se da ignorância humana.
... e vc vai à praia e não se importa que uma tampinha da garrafa (ou que a garrafa toda, ou todas as garrafas) de água mineral caia no mar.




essa tartaruga entrou em anel de plástico quando pequena. apenas isso!
e mais uma vez, nem eu e nem vc nos abaixamos para pegar o lacre da embalagem que caiu na areia e a maré levou pro mar...

no oceano pacífico há uma enorme camada flutuante de plástico, que já é considerada a maior concentração de lixo do mundo, com cerca de 1000 km de extensão. vai da costa da califórnia, atravessa o havaí e chega a meio caminho do japão e atinge uma profundidade de mais ou menos 10 metros. acredita-se que haja neste vórtex de lixo cerca de 100 milhões de toneladas de PLÁSTICOS de todos os tipos.
pedaços de redes, garrafas, tampas, bolas, bonecas, patos de borracha, tênis, isqueiros, sacolas plásticas, caiaques, malas e todo exemplar possível de ser feito com plástico. segundo seus descobridores, a mancha de lixo, ou sopa plástica tem quase duas vezes o tamanho dos estados unidos.

em algumas áreas do oceano pacifico podem se encontrar uma concentração de polímeros de até seis vezes mais do que o fitoplâncton, base da cadeia alimentar marinha.

comece a comer seu lixo. vc vai ter que se habituar em breve.

sábado, 2 de agosto de 2008

Como pude eu continuar a caminhar como se não tivesse visto nada?

.

Mas será que não faríamos o mesmo?
por Louraidan Larsen

Há algum tempo, vi uma moça estirada no chão, na frente da Faculdade de Medicina, na Alfredo Balena, às 6 e pouco da noite. Normal, é o que mais vemos ultimamente ao andar pelo centro de BH. Porém, me chamou a atenção (mais do que ela estar jogada no chão) foi ela estar “apagada” e com mão e braço roxos. Fiquei assustado e fui ao Pronto Socorro João XXIII ao lado, menos de 50 metros de distância. Fui direto ao Samu, aquele serviço de atendimento de urgência.
"Amigo, é urgente: tem uma moça caída e roxa no chão", eu disse. "Não posso atender, trabalhamos por satélite e somente atendemos por meio de chamadas pelo 190". "Mas a mulher está a 20 passos de você, aqui do lado", retruquei. "Não podemos".
Fui à secretaria, procurei alguém e um cara da portaria me acompanhou até onde estava a moça. Seu braço e mão continuavam roxos, ela seguia “apagada”. O rapaz disse que sabia quem era ela, velha conhecida, dormia sempre nas redondezas, não adiantaria levar pro hospital, que voltaria pra rua. Ele cutucou a mulher, chamou e ela despertou por instantes e voltou a “dormir”. Fui embora.
Em 2004, assistia a um telejornal, quando passou a premiação de uma série de reportagens que um jornalista fez sobre a fome. Fiquei sabendo, na época, que uma das moças entrevistadas morreu de fome dias depois. Não quero julgar o repórter, nem o câmera, mas fiquei imaginando. Entrevistaria alguém que há dias não come, está pra morrer e daria um tchaw? Teria um contato com aquela pessoa, conversaria com ela, sairia e diria... até mais?
No caso da moça de braço roxo, fiquei sem saber o que fazer, após a negativa do hospital. Não tinha (ou tinha?) como pegá-la no colo, colocá-la nas costas e levá-la pra algum lugar. Mas, ao mesmo tempo, é tão gritante passar ao lado de uma pessoa nessa situação e não fazer nada... assim como não fez nada o repórter. O jornalista estava trabalhando, eu estava indo pra casa. Fiquei chocado com a atitude do repórter ao sair e deixar a moça morrer de fome, mas será que eu não faria o mesmo, assim como deixei a moça de braço roxo no chão?
...
Este texto me lembra um outro, que na verdade não me lembro de quem era, acho que é um conto de alguém renomado que li em sala de aula provavelmente na quinta ou sexta série do ginásio... mas me lembro que no texto o cenário era uma praça de uma cidadezinha pacata que nas escadarias da igreja estava esticado um senhor bem vestido, terno e gravata, com um relógio que chamava atenção e pulseiras que brilhavam forte... ele aparentemente estava dormindo.... as pessoas passavam, olhavam, não reconheciam e continuavam a caminhar... depois de um tempo as pessoas olhavam, não reconheciam mas percebiam que ele estava morto, e pra não dar algum trabalho continuavam a caminhar como se não tivessem visto nada... depois de um tempo as pessoas olhavam, não reconheciam, percebiam que ele estava morto, e olhavam nos bolsoa pra ver o que ele carregava consigo, mas pra não dar algum trabalho continuavam a caminhar como se não tivessem visto nada... depois de um tempo as pessoas olhavam, não reconheciam, percebiam que ele estava morto, olhavam nos seus bolsos pra ver o que ele carregava consigo, e foram pegando um a um os pertences do falecido, acompanhado de um "Coitado! parecia ser tão feliz!" e continuavam a caminhar como se não tivessem visto nada...
Quando eu li esse texto, eu me lembro que inconformado eu pensava... "mas como pode esse pessoal todo ter agido de tal forma???"... talvez porque ainda não tivesse saído para o mundo... e hoje.. morando na grande São Paulo, depois de ter passado por vários lugares desse país... me peguei pensando...
Como pude eu continuar a caminhar como se não tivesse visto nada?...
Danilo

terça-feira, 29 de julho de 2008

grandes empresas, pequenos negócios!

Imaginem que São Paulo já enfrenta, todo final de semana, 220 km de congestionamento. Tem uma média de duas pessoas por veiculo apenas... e há cidades com menos!
Imaginem o que tudo isso representa de emissão de gás carbônico, de poluição, de enfermidades pulmonares para a população. Segundo o Dr. Paulo Saldiva, professor da USP e clínico no HC de São Paulo, no inverno, quando não há chuvas, morrem 80 pessoas por semana em São Paulo, por doenças da poluição, que, se morassem em outra cidade, sobreviveriam. A maioria idosos e crianças. Mas ninguém fala nada...

Ao contrário, o governo, eufórico, vê essa expansão como símbolo de sua política econômica. Não enxerga que por trás tem apenas o lucro das empresas automobilísticas, todas transnacionais. Não vê que as pessoas estão comprando mais carros induzidos pela ilusão da propaganda sistemática na televisão. Estão comprando porque os bancos estrangeiros introduziram no Brasil, nos últimos dois anos, nada menos do que 300 bilhões de dólares, que estão financiando vendas a prazo, de ferro-elétrico a automóveis. Em São Paulo, você pode comprar um veículo zero quilômetro em 90 prestações. Taxa de juros 48% ao ano. Taxa de juro que esse capital estrangeiro receberia no Estados Unidos e na Europa: 2% ao ano.

Mas o povo brasileiro vai pagar tudo isso. Pagar os juros, que depois serão devolvidos aos bancos estrangeiros. Vai pagar com horas de estresse no trânsito. Vai pagar nos hospitais. Vai pagar com horas de lazer e de trabalho, perdidas nos engarrafamentos... tudo em nome do progresso!

Quem se habilita a falar mal?

Putz, hoje eu acordei meio de saco cheio de poluição... por isso estou poluindo o blog com duas postagens logo cedo.
Recebi o texto acima por e-mail um dia desses. Não sei da veracidade dos dados, mas sou levado a acreditar nesse esquema de financiamento. Afinal, faz tempo que a coisa é assim...

Link para o vídeo "Sociedade do Automóvel"! Muito bacana!
http://video.google.com/videoplay?docid=1608289607442109392

Procure também por um filme chamado "A Ilha Sucata" (La Isla Chatarra), da série DOCTV.

coloridodeletério

Duas "coisinhas" sobre poluição.


Rios de Petrópolis

a poluição faz rios coloridos
não é tão feia assim
como atração
reproduz
em matizes escolhidos
as belas cores da televisão

(carlos drummond de andrade)


... saco plástico de todas as cores
garrafas boiam junto da espuma
cheiro forte caracteriza
beberibe como de costume
como água, um caldo grosso, escura,
escorre como referência
como tem lixo, como tem doença
como tem lixo, como tem doença

(sentado na beira do rio - eddie)

sem comentários...
O Arquivo - Victor Giudice

No fim de um ano de trabalho, joão obteve uma redução de quinze por cento em seus vencimentos.

joão era moço. Aquele era seu primeiro emprego. Não se mostrou orgulhoso, embora tenha sido um dos poucos contemplados. Afinal, esforçara-se. Não tivera uma só falta ou atraso. Limitou-se a sorrir, a agradecer ao chefe.

No dia seguinte, mudou-se para um quarto mais distante do centro da cidade. Com o salário reduzido, podia pagar um aluguel menor.

Passou a tomar duas conduções para chegar ao trabalho. No entanto, estava satisfeito. Acordava mais cedo, e isto parecia aumentar-lhe a disposição.

Dois anos mais tarde, veio outra recompensa.

O chefe chamou-o e lhe comunicou o segundo corte salarial.

Desta vez, a empresa atravessava um período excelente. A redução foi um pouco maior: dezessete por cento.

Novos sorrisos, novos agradecimentos, nova mudança.

Agora joão acordava às cinco da manhã. Esperava três conduções. Em compensação, comia menos. Ficou mais esbelto. Sua pele tornou-se menos rosada. O contentamento aumentou.

Prosseguiu a luta.

Porém, nos quatro anos seguintes, nada de extraordinário aconteceu.

joão preocupava-se. Perdia o sono, envenenado em intrigas de colegas invejosos. Odiava-os. Torturava-se com a incompreensão do chefe. Mas não desistia. Passou a trabalhar mais duas horas diárias.

Uma tarde, quase ao fim do expediente, foi chamado ao escritório principal.

Respirou descompassado.

— Seu joão. Nossa firma tem uma grande dívida com o senhor.

joão baixou a cabeça em sinal de modéstia.

— Sabemos de todos os seus esforços. É nosso desejo dar-lhe uma prova substancial de nosso reconhecimento.

O coração parava.

— Além de uma redução de dezesseis por cento em seu ordenado, resolvemos, na reunião de ontem, rebaixá-lo de posto.

A revelação deslumbrou-o. Todos sorriam.

— De hoje em diante, o senhor passará a auxiliar de contabilidade, com menos cinco dias de férias. Contente?

Radiante, joão gaguejou alguma coisa ininteligível, cumprimentou a diretoria, voltou ao trabalho.

Nesta noite, joão não pensou em nada. Dormiu pacífico, no silêncio do subúrbio.

Mais uma vez, mudou-se. Finalmente, deixara de jantar. O almoço reduzira-se a um sanduíche. Emagrecia, sentia-se mais leve, mais ágil. Não havia necessidade de muita roupa. Eliminara certas despesas inúteis, lavadeira, pensão.

Chegava em casa às onze da noite, levantava-se às três da madrugada. Esfarelava-se num trem e dois ônibus para garantir meia hora de antecedência. A vida foi passando, com novos prêmios.

Aos sessenta anos, o ordenado equivalia a dois por cento do inicial. O organismo acomodara-se à fome. Uma vez ou outra, saboreava alguma raiz das estradas. Dormia apenas quinze minutos. Não tinha mais problemas de moradia ou vestimenta. Vivia nos campos, entre árvores refrescantes, cobria-se com os farrapos de um lençol adquirido há muito tempo.

O corpo era um monte de rugas sorridentes.

Todos os dias, um caminhão anônimo transportava-o ao trabalho. Quando completou quarenta anos de serviço, foi convocado pela chefia:

— Seu joão. O senhor acaba de ter seu salário eliminado. Não haverá mais férias. E sua função, a partir de amanhã, será a de limpador de nossos sanitários.

O crânio seco comprimiu-se. Do olho amarelado, escorreu um líquido tênue. A boca tremeu, mas nada disse. Sentia-se cansado. Enfim, atingira todos os objetivos. Tentou sorrir:

— Agradeço tudo que fizeram em meu benefício. Mas desejo requerer minha aposentadoria.

O chefe não compreendeu:

— Mas seu joão, logo agora que o senhor está desassalariado? Por quê? Dentro de alguns meses terá de pagar a taxa inicial para permanecer em nosso quadro. Desprezar tudo isto? Quarenta anos de convívio? O senhor ainda está forte. Que acha?

A emoção impediu qualquer resposta.

joão afastou-se. O lábio murcho se estendeu. A pele enrijeceu, ficou lisa. A estatura regrediu. A cabeça se fundiu ao corpo. As formas desumanizaram-se, planas, compactas. Nos lados, havia duas arestas. Tornou-se cinzento.

João transformou-se num arquivo de metal.


Este texto foi publicado no Manual do Bixo do CAASO da gestão 2004-2005. Tinha o intuito de sensibilizar os calouros para que buscassem na universidade um objetivo maior, uma experiência menos instrumentalizada, menos minúscula.

Atravessamos uma época de extrema desilusão. Por outro lado, nossos precedentes também são muito recentes para declararmos a falência de nossas utopias. Hoje, é imprescindível sonhar. Sonhar com estratégia, com inteligência, coletivamente, e acima de tudo, pirar com a nossa própria fantasia.

domingo, 27 de julho de 2008

O paradoxo do nosso momento!

"O paradoxo do nosso momento na História é termos prédios mais altos, mas paciência curta; rodovias mais largas, mas pontos de vista mais estreitos. Gastamos mais, mas possuímos menos; compramos mais, mas aproveitamos menos. Temos casas maiores e famílias menores, mais conveniências e menos tempo. Temos mais diplomas, mas menos razão; mais conhecimento, mas menos juízo; mais especialistas e ainda mais problemas, mais medicina, mas menos bem-estar. Bebemos demais, fumamos demais, gastamos sem critério, dirigimos rápido demais, ficamos acordados até muito tarde, acordamos muito cansados, lemos muito pouco, assistimos TV demais, e rezamos raramente. Multiplicamos nossos bens, mas reduzimos nossos valores. Falamos demais, amamos raramente, odiamos freqüentemente. Aprendemos a sobreviver, mas não a viver; adicionamos anos à nossa vida e não vida aos nossos anos. Fomos e voltamos à Lua, mas temos dificuldade em cruzar a rua e encontrar um novo vizinho. Conquistamos o espaço, mas não o nosso próprio. Fizemos coisas maiores, mas não melhores. Dominamos o átomo,mas não nosso preconceito; escrevemos mais, mas aprendemos menos; planejamos mais, mas realizamos menos. Um momento de muita coisa na vitrine e muito pouco na dispensa Aprendemos a nos apressar e não a esperar. Construímos mais computadores para armazenar mais informação, produzir mais cópias do que nunca, mas nos comunicamos menos. Estamos na era do 'fast-food' e da digestão lenta; do homem grande de caráter pequeno; lucros acentuados e relações vazias. Essa é a era de dois empregos, vários divórcios, casas chiques e lares despedaçados. Essa é a era das viagens rápidas, fraldas e moral descartáveis, das rapidinhas, dos corpos deformados e das pílulas que fazem tudo, de animar a acalmar, de curar a matar. Uma era que te leva essa carta em instantes, e que te permite dividir essa reflexão ou simplesmente clicar 'delete'. A escolha é sempre sua."

(autor desconhecido)

Este texto é muito interessante porque me faz pensar e muito se este é mesmo um paradoxo do nosso 'momento', ou de uma 'fase', como o autor mesmo começa o texto, ou se estamos sendo cada vez mais educados e 'programados' para viver dessa maneira... com status, beleza, IMAGEM e quase nada de sentimento, verdadeiros valores, ética, caráter... será que entraremos em colapso com nossos objetivos a ponto de não sabermos mais porque temos tais objetivos? não sei até que ponto vale a pena por exemplo viver longe da família, dos amigos, das pessoas que nos olham diferente na então "Passárgada" de cada um de nós em busca de reconhecimentos por placas para expormos na estante da sala...
por que estamos com diferentes valores dos nossos pais, avós, bisavós..??? meu avô comprou o primeiro carro há anos e como ele ainda funciona, está na garagem...
o crescimento das cidades, surgimento dos grandes centros teriam influência?.. por que qto maior a cidade é mais difícil se fazer amigos??? eu já disse antes - 'os prédios, quanto mais altos, falam mais alto que nós!' - Danilo d Freitas